8 de jan. de 2011

"Navegar é preciso, viver não é preciso”

Quem aposta na derrocada da poesia sempre quebra a cara de pau a pique. Em Divinópolis, nos últimos dias de outubro de 2010, atracou Barkaça para renovar a comprovação da boa e necessária poesia ser foco de resistência.

  Resistência à praga platônica de o poeta merecer ser banido da sociedade; ao aforisma de Marx, ao afirmar não haver lugar para o poeta na sociedade capitalista; à sanha do concretismo, ao decantar pela mídia acadêmica que pós-tudo não haveria originalidade na inventiva poética do país de Oswald de Andrade. Tudo muito pura falácia.(Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)
[...[ Quando Divinópolis publica alguma coisa é bom pôr sentido. Agora, Dazibao e uma base do Dezfaces - a mais inteligente contribuição à poesia e à poética do país, hoje - leia artigo sobre na revista Germina, edição de setembro, www.germinaliteratura.com.br - são barricadas culturais contra a pasmaceira que insiste em permanecer, via de regra, cristalizada no interior.   (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)

[...] O fluxo de pequenas e sazonais publicações divinopolitanas reatualiza a dialética da poiésis em suas vertentes semântico-lingüística e semiótico-visual. Boletim como Barkaça oxigena a produção impressa, esta, cada vez mais rara no confronto com a produção programada/universalizada por revistas eletrônicas. (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)

Barkaça, sob o sígno da imprevisibilidade



[...] Barkaça resulta de experiências individuais de artistas plásticos, gráficos, de palco, fotógrafos, poetas, professores, designers, publicitários, arregimentadas na tendência pós-moderna de se fazer cultura: o projeto. E sob o signo da imprevisibilidade. (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)
A marca do boletim nº 1 é a paródia. Dioli (David Willian de Oliveira), com intervenções de Carlos Lopes, parodia a gonçalviana “Canção do exílio” em Canção: exila-se um rio. Tem-se aí o início da transtextualidade: crítica feroz aos políticos divinopolitanos (como de resto do país), que nada fazem para livrar o rio Itapecerica (e outros) da poluição defecal – onde muita bosta bóia. (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)


[...] A Barkaça pega rumo desde a capa com esgoto en passant pelo rio Itapecroacacerica, na pintura-denúncia de Laete Poyares. É como dizer: - Olha aí, gente. Não adianta nada Divinópolis ser uma cidade grande sem ser uma grande cidade. (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)
  
[...] A paródia prossegue com a intervenção de Luís Mingau no poema Vou-me embora pra Passárgada, de Manuel Bandeira, do “Poema das 7 faces”, de Carlos Drummond de Andrade e do “Soneto da fidelidade”, de Vinicius de Moraes, para se completar com o oportuno “Soneto da ressonância”, de Carlos Lopes, cujo poema-origem remete a outros de autoria de Affonso Ávila, Affonso Romano de Sant´anna, Joaquim, Branco, Marcelo Dolabela, entre outros parodiais. (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)

[...[ Brincadeiras? Nem de muito longe. A paródia é, na pós-modernidade, o hipertexto que Raquel Wandelli Loth chama de o passado rejuvenescido. E este é tributário, segundo esta autora, “da reflexão estruturalista e pós-estruturalista sobre o texto”, no qual estão “a quebra da linearidade, a importância do fragmento em relação ao todo da obra, as relações de intertextualidade, o encaxilhamento de histórias dentro de histórias, a participação do leitor na escolha de um percurso e na completude da obra e ainda para a sincronização de linguagens e recursos múltiplos.               (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)

A linguagem que vem desde o século IV a.c.

[...] Há uma imprescindível e incontrolável perversidade nas interfaces das paródias de Barkaça através de uma sintomática e emblemática leitura-navegação, situada num contexto de denúncia/desdobramento/ludicidade de linguagem que vem desde a Arte poética, de Aristóteles (século IV a.C.), passa pelas dicotomias sério/cômico, gravidade/riso, da Idade Média, conforme a carnavalização aludida por Bakhtin em Questões de literatura e de estética (2002); a estereotipia dos escos (burlesco, farsesco, grotesco) renascentistas, e chega à pós-modernidade. Na atualidade, a paródia de Barkaça, na esteira de José Cano, inclui-se na leitura que Linda Hutcheon faz em Uma trajetória da paródia, a justificar a necessidade de o homem ocidental ”afirmar o seu lugar na difusa tradição cultural que o cerca (...) no processo de desconstrução e reconstrução por meio de recursos estilísticos encontrados na ironia e da inversão.” E, nesse sentido, cf. ainda Hutcheon, a paródia do boletim divinopolitano agrega o âmbito do ethos pragmático [que] vai do ridículo desdenhoso à homenagem reverencial. (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)

[...] Em sintonia histórica com o modus operandi paródico de Barkaça estão Os lusíadas, de Camões, uma navegação-épica e leit-motiv de xerocagem estilística lusófano-brasileiro-africana, e A jangada de pedra, do não menos lusitano José Saramago, em que há, segundo Cano, inversão irônica no diálogo intertextual. O código da diferença: n´Os lusíadas tem-se o navegante solitário, sob os eflúvios míticos e mitológicos a analogizar as glórias ibéricas no além-mar; na Jangada de pedra, a crítica desvelada à corrupção do governo português na década de 80; em Barkaça, hoje, agora, o rio cheio de merda “só para político boiar”, além dos exemplos de Tao-Tse-King e do aduaneiro que o hospeda na pobreza material e na riqueza de sabedoria, na metanarrativa singular do outsider Dieter Roos - Droos. (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)

Paródia encontrada no Barkaça

[...] O deboche, o pastiche, a crítica prazerosa e ridicularizante da paródia de Barkaça põe a nu o travestissement do hipertexto analisado por Gérard Genette em seu Palimpsestes (1982). O palimpsesto, por sua origem etimológica grega, riscar de novo, é rasura pós-moderna produzida pela paródia.
(Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)

[...] O descentramento da leitura, pela visão de Derrida, viceja em Barkaça, também, no bem-humorado, irônico e anti-kistch “óleo sobre tela”, das irmãs Hérika & Michelli Eustáquia do Carmo; a paráfrase do sempre genial Juvenal Bernardes; no neo-concreto “bicarbonato de ódio e soneto psicoativo, de DiOli – duas primorosas criações poéticas do VLER que dão a Barkaça uma identidade visual de incrível força de recepção.Os leitores que tratem de conseguir logo exemplar de Barkaça. Ela pode levá-los à terceira margem do rio. (Escritor e professor Márcio Almeida – outubro de 2010)

Márcio Almeida - esse patrimônio da literatura


Márcio Almeida é poeta, jornalista, professor universitário, crítico literário de raridades.

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